PGE liberou polícia retirar alunos de prédios ocupados sem decisão judicial.OAB e Defensoria veem decisão como preocupante por eliminar Judiciário. Parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) orientou o governo de São Paulo retomar a posse de prédios públicos ocupados sem que haja mandado judicial para isso. Contudo, juristas ouvidos pelo G1 divergem sobre a interpretação dada pela PGE para o caso em questão.
A Defensoria Pública do Estado e a Ordem dos Advogados do Brasil disseram ter visto a decisão como “preocupante”. O governo alegou o direito de “autotutela” da posse, previsto na legislação, e que permite às pessoas retomar a posse de seus imóveis invadidos.
A decisão de retomada dos prédios ocorreu devido a uma onda de invasões a escolas técnicas profissionalizantes, as Etecs, por estudantes, em protesto contra a precarização do ensino, cortes da educação, falta de alimentação e a máfia da merenda.
Até então, 13 escolas estavam ocupadas por alunos. Na manhã desta sexta-feira (13), a Polícia Militar desocupou a Escola Técnica (Etesp) da Avenida Tiradentes e três diretorias de ensino ocupadas: Diretoria de Ensino Região Centro-Oeste; a Diretoria Norte 1 e a Diretoria Guarulhos Sul.
O parecer da PGE entende que as invasões das escolas estão sendo feitas de forma “banalizada”, “sob o falso pretexto de que se trata do exercício de liberdade de manifestação do pensamento ou do direito de reunião” e que, diante da demora de recuperação da posse administrativa dos imóveis nestas ocupações.
A discussão dos juristas sobre o que foi feito pelo governo, sem consultar a Justiça, envolve o artigo 1.210 do Código Civil, citado no parecer da PGE, e prevê que o dono de imóvel pode mantê-lo ou reavê-lo “por sua própria força, contanto que o faça logo”.
E é este ponto que gera divergência. A PGE entendeu que o “logo” vale apenas para imóveis privados e não para a Administração Pública, onde o direito de retomada por vias administrativas – sem ter que ir à Justiça para isso – é atemporal. “A administração pode exercer o seu direito a qualquer tempo”, escreveu o procurador Adalberto Robert Alves, autor do documento.
“Autotutela significa ele próprio tomar medidas protetoras para o seu patrimônio. Se não conseguir, aí, sim, ingressa com um pedido no Poder Judiciário. Está prevista nas regras que tratam do direito de propriedade da Constituição e é perfeitamente possível no caso em questão, porque a invasão é ilegal e um dos deveres do governo é a guarda do seu patrimônio, a preservação do seu patrimônio e criar condições para que ele seja usado ao fim que é destinado”, afirma o constitucionalista Dalmo de Abreu Dallari.
O advogado Ariel de Castro Alves, membro do estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, discorda da posição adotada pela PGE. Para Alves, “o governo burlou a Constituição e fez uma interpretação para favorecer seus interesses, abrindo um precedente perigoso, a despeito da Constituição e das regras legais”.
“A própria lei diz e a jurisprudência indica isso, que a retomada por autotutela deve ser feita no momento em que o local está sendo ocupado ou logo em seguida, por exemplo, a polícia chegou a tempo e conseguiu impedir, ou nas horas seguintes. Não 10, 15 dias depois, como foi feito hoje”, afirma Ariel Alves.
“Cabe ao Ministério Público e a Defensoria tomarem medidas judiciais contra o governo por abuso de autoridade e por desrespeito à Constituição e à legislação que trata de reintegrações”, salienta Ariel.
A defensora pública Daniela Skromov, coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, diz que vê com preocupação a decisão do governo que, segundo ela, “fica muito claro a decisão de eliminar o Judiciário”.
“Em pouquíssimo tempo, das ocupações realizadas no ano passado, o governo muda de postura, num claro anúncio de que não precisa do Judiciário. Na verdade, devido a uma motivação política, se modifica o entendimento da lei. Não houve o esforço imediato e, em relação a autotutela é, no mínimo, questionável”, afirmou.
O Ministério Público informou que “só se manifestará após ter o completo conhecimento dos fatos e por meio do membro que tenha atribuição legal para tanto”. Já a Ordem dos Advogados do Brasil também manifestou “preocupação em face do uso de forças policiais. Para o presidente da OAB São Paulo, Marcos da Costa, parece “parece desarrazoado proceder a reintegração manu militari, sem a prévia cautela de ordem judicial”.
Sem ordem judicial
O texto que liberou a reintegração de prédios públicos pela polícia sem autorização judicial, de autoria do Procurador Geral do Estado, Elival da Silva Ramos, afirma que “é facultado à Administração Pública manter ou retomar a posse de seus bens em caso, respectivamente, de turbação ou esbulho, independente de ordem judicial”.
O documento, que compara o processo de retomada de um prédio invadido imóvel invadido nas questões do Direito Público (se o imóvel é do Estado) e Privado (se o imóvel é de um particular), cita decisões judiciais anteriores e a posição de juristas de que o governo pode agir de forma administrativa, sem ter que ir à Justiça, porque possui o dever de proteger e assegurar a preservação dos bens, assim como garantir o funcionamento de serviços públicos prestados nos prédios – neste caso, as aulas nas escolas.
Pedido do ex-secretário de Segurança
O pedido para a PGE analisar a questão partiu do ex-secretário de Segurança do Estado, em um dos seus últimos atos antes de ser designado ministro da Justiça de Michel Temer. Em ofício, Alexandre de Moraes pediu a análise da “viabilidade jurídica do uso do desforço necessário em casos de esbulho possessório”, como ocupações e invasões, sobre imóveis do Estado.
Moraes dizia-se preocupado com “o crescente número de invasões de próprios estaduais, por diversos motivos, em especial políticos, a exemplo da ocupação das escolas públicas estaduais” e também afirmou que a Justiça estava “inovando” e impondo “condições extravagantes” para a realização das reintegrações solicitadas pelo Estado, como no caso do Centro Paula Souza.
Na decisão daquele caso, o juiz da 14ª Vara da Fazenda Pública determinou que a reintegração deveria ser feita por policiais desarmados e pessoalmente comandada pelo Secretário de Segurança – na época, Alexandre de Moraes.
O governo ingressou com mandado de segurança para não realizar a desocupação desta forma e, segundo o texto de Moraes, ganhou. A reintegração de posse do Centro Paula Souza foi realizada no último dia 6 pela Tropa de Choque – policiais estavam armados e arrastaram estudantes pelo braço até a rua. Moraes não esteve presente na ação.
Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/05/especialistas-divergem-sobre-parecer-que-aceita-reintegracao-sem-mandado.html