Oferta de prioridade máxima na compra de ingressos da Libertadores para quem adquiriu pacote do Brasileiro cria problemas. Falta de cota para público geral também é objeto de ação
Mais de um milhão de ingressos vendidos em 2019; dono de nove dos 10 maiores públicos do Brasil esse ano; recorde de seu programa de sócio-torcedor que já tem quase 150 mil inscritos… Mas nem todos os torcedores do Flamengo estão satisfeitos. Nas últimas semanas, o clube vem sendo alvo de ações judiciais por causa da hierarquia da prioridade na venda de ingressos para a semifinal da Libertadores contra o Grêmio, nos dias 2 e 23 de outubro.
O centro do problema foi a oferta de pacotes para o Brasileiro que, uma vez comprados, garantiam prioridade máxima mesmo para sócios-torcedores de planos mais baratos. Dessa forma, sócios-torcedores que não compraram o pacote do Brasileiro e, sem a prioridade máxima para compra, não conseguiram as entradas para a semifinal, resolveram ir aos tribunais.
O Flamengo ainda não comunicou que acabaram os ingressos para o jogo de volta, no Maracanã. A última parcial divulgada foi na segunda-feira e já tinha 50 mil bilhetes comercializados. No site oficial do programa de sócio-torcedor, todos os setores do estádio já apareciam como esgotados antes mesmo da data de abertura da venda para os planos “Amor”, “Raça” e “Onde Estiver”.
Anunciado em junho para sócios, a preços entre R$ 300 e R$ 3.000, a compra do pacote de 15 jogos para o Campeonato Brasileiro garantia também a prioridade máxima na compra de ingressos para jogos da Copa do Brasil e Libertadores – o formato dos planos de sócio-torcedor rubro-negro agora premia os associados por frequência nos jogos.
Membros de planos inferiores que não estão conseguindo comprar, mesmo com longo período de adesão ao programa, agora questionam na Justiça a prioridade concedida a quem comprou os pacotes para o Campeonato Brasileiro. O advogado Luis Felipe de Souza, membro da Comissão de Direito do Consumidor da ABA-RJ (Associação Brasileira dos Advogados):
– A gente está para discutir essa questão porque o Flamengo acabou lesionando antigos sócios e vai ter uma demanda muito grande judicialmente. Vamos supor, quem é “Raça” deixou de ser prioridade 3 porque quem era inferior se tornou primeiro, então a pessoa passou a ser prioridade 4. Se 30 mil compraram o pacote e você estava para disputar ingresso com 10 torcedores antes, agora vai disputar com 30. No meio do jogo não pode mudar a regra, existe uma propaganda enganosa referente ao sócio. Já tenho uns 10 processos para distribuir assim – explicou Souza.
Sócio “Raça”, ele também já moveu uma ação em causa própria contra o clube por outro problema:
– A minha ação especifica foi pautada em um erro para compra de ingressos. Aconteceu comigo contra o Corinthians na Copa do Brasil, mas consegui comprar em um segundo momento, e contra o Internacional na Libertadores. Comprei para a minha namorada e para mim cinco minutos depois com o mesmo cartão, mas derrubaram a minha compra. Minha namorada deixou de ir nesse jogo para trocar comigo. E quando você vai conversar com o clube, falam que é culpa do administrador de ingresso. Mas o meu contrato é com o Flamengo, não com outra empresa.
Na tarde desta sexta-feira, o Flamengo também vai abrir a venda para o jogo de ida na Arena do Grêmio. O clube tem direito a uma carga de quatro mil ingressos, que já foram comprados pela diretoria para serem revendidos aos sócios, separados em um plano para cada dia. Porém, diferentemente do que houve nas quartas de final contra o Inter no Beira-Rio, desta vez sem prioridades para quem comprou o pacote do Brasileiro. O que motivou outras ações judiciais.
– Estou decepcionado com a oferta que o Flamengo fez para os sócios-torcedores, em comprar e apoiar ainda em junho, e simplesmente tirar essa prioridade do torcedor. Inclusive sou sócio desde 2013, vou a todos os jogos e agora não vou poder por decisão unicamente do Flamengo. Entrei com tutela de urgência para garantir tanto a prioridade em Porto Alegre quanto de uma eventual final caso o Flamengo passe – contou o advogado Vitor Lima, que é sócio do plano “Raça”, comprou o pacote do Brasileiro e também entrou em causa própria.
Outro advogado entrou com ação ao lado de um cliente. Eles pediram anonimato e serão identificados por LO e DA. Ambos são sócios do plano “Amor”, e LO chegou a comprar passagem e reservar hotel em Porto Alegre, como já havia feito contra o Inter, contando com uma prioridade de compra que acabou não sendo concedida pelo clube.
Eles tentaram liminar para garantir o direito à prioridade na venda que começa nesta sexta, mas tiveram o pedido indeferido. Dessa forma, como o mérito do caso só será apreciado por um juiz após as partidas, a ação perderá o objeto e deverá ser arquivada. Dessa forma, eles já preparam um pedido de indenização para reaver os gastos e eventuais danos morais:
– No mesmo site oficial onde publicaram que não haveria prioridade contra o Grêmio, constam orientações para prioridade no jogo contra o Inter, na mesma competição e cidade. Inclusive isso está na nossa ação. Considerando que essa política seria mantida, e a gente percebeu que as passagens aéreas estavam subindo de valor, comprei passagem e fiz reserva no hotel para o jogo em Porto Alegre. Só que sem a prioridade não vou conseguir comprar ingresso. Como a tutela antecipada não foi deferida, essa ação vai perder objeto, vai ser extinta, vou ter que entrar com outra ação pedindo indenização e dano moral – contestou LO.
E até quem não é sócio-torcedor e tampouco comprou o pacote do Brasileiro também se sente prejudicado diante deste cenário. É o caso do advogado João Luiz Vieira, que foi mais um a entrar em causa própria. Ele se amparou nesse jogo contra o Grêmio no Maracanã, em que os ingressos foram dados como esgotados no site oficial antes mesmo de abrir a venda para planos inferiores, para mostrar uma preocupação futura com o público que não tem condições de se associar: – O que está em questão é a prática, que, se for perpetuada, daqui a algum tempo o direito de ir aos jogos estará cerceado. O Flamengo está praticando uma comercialização exclusiva para quem é sócio. Como aumentou demais o contingente, e a carga de ingressos em média é de 60 mil, então dificilmente quem não é sócio vai ter acesso. O objetivo é que se estabeleça uma margem para o público em geral. Não é que eu seja contra o programa, até futuramente posso virar sócio, mas não pode ter um tratamento desigual. É uma prática discriminatória. Eu vou a jogos desde que me entendo por gente, tenho 43 anos. Na ação até junto várias fotos minhas de criança no Maracanã.
Consultado sobre o tema, o Flamengo decidiu não se manifestar oficialmente e alega que todos os processos de venda são feitos com aprovação prévia do departamento jurídico. Internamente, o clube ainda avalia minuciosamente as compras realizadas até agora para o jogo do dia 23, atrás de possíveis irregularidades e erros de sistema. A ideia é buscar alternativas para dar chance de compra a todos os níveis de membros do programa de sócios-torcedores e também não sócios.